Há 20 anos, Walter Neves apresentou “Luzia” ao Mundo

HORA DO POVO

04/04/2018

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Imagem do rosto de Luzia reconstituída pela BBC

Há 20 anos, o bioantropólogo Walter Neves da Universidade de São Paulo (USP) apresentava, no Congresso da Associação Norte-Americana de Antropologia Física, os resultados de uma pesquisa craniométrica com os mais antigos ossos recuperados no continente, na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, apontando que as Américas foram ocupadas em duas levas migratórias distintas. Entre o material estudado estava o crânio de uma mulher que batizou de Luzia. Com isso, a pré-história brasileira ganhava um ícone.

O modelo das duas ocupações defende que o continente americano foi ocupado por duas ondas migratórias de homo sapiens vindas da Ásia. A primeira onda teria ocorrido antes de 14 mil anos atrás, composta por indivíduos com morfologia não mongolóide, semelhante à dos australianos e africanos. A segunda onda teria entrado no continente há 12 mil anos e seus membros apresentavam o tipo físico característico dos asiáticos, dos quais os índios modernos derivam. Essa primeira população pode ter sido substituída pela segunda ou se miscigenado com ela. Segundo a pesquisa de Walter Neves, os maiores candidatos a carregarem alguns genes e traços desta primeira migração são os índios botocudos.


A pesquisa de Walter Neves, que, até se aposentar há seis meses, coordenou o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), começou na década de 1980, após analisar alguns crânios muito antigos da região de Lagoa Santa e perceber que eles não seguiam o padrão mongol típico, que segundo a teoria norte-americana dominante na época, seria a primeira a ocupar a América. Hoje, ele faz parte do grupo “Cientistas Engajados”, que apresentou seu nome como candidato a uma vaga na Câmara dos Deputados nas eleições deste ano pelo Partido Pátria Livre (PPL).

Sua ideia ganhou impulso com o estudo do esqueleto de “Luzia”, um crânio humano com idade estimada em 11.500 anos, que pertenceu a um extinto povo de caçadores-coletores da região de Lagoa Santa, nos arredores de Belo Horizonte. O crânio foi descoberto numa expedição arqueólogica franco-brasileira, por Annette Laming-Emperaire, em Minas Gerais, nos anos 1970, e depositado no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Mas, somente nos anos 80, o estudo dos ossos foi iniciado por Neves.

Em 1998, 10 anos depois do início da investigação, Neves publicou o estudo com sua nova teoria, que se tornou bastante polêmica na época. Em 1999, um documentário da rede de televisão inglesa BBC, reconstituiu a face de Luzia, o que comprovou a tese de Walter Neves.

A partir de então, aconteceu uma ampla divulgação do rosto da mulher com fortes características negróides e passou a figurar como um dos mais antigos registros da presença humana nas Américas, um ícone da pré-história brasileira.

Em 2005, uma nova pesquisa apresentada por Neves, com o estudo de 81 crânios de Lagoa Santa, medíveis e bem datados, reforçou sua teoria. As idades dos crânios ficaram entre 9 e 7,5 mil anos, com exceção de Luzia, e todos mostraram semelhanças morfológicas com populações australo-melanésicas. As análises morfológicas indicaram que a aparência craniofacial dos primeiros americanos, os que vieram na primeira migração pelo Estreito de Bering, era muito mais semelhante à dos atuais africanos e australianos do que à dos atuais asiáticos, que teriam se originado na segunda migração.

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